Por Antonio Gaspari
ROMA, quarta-feira, 7 de outubro de 2009 (ZENIT.org).- Suscitaram polêmica as declarações do cardeal de Gana, Peter Kodwo Appiah Turkson, a respeito do uso do preservativo entre um casal no qual um dos dois tem Aids.
Respondendo às perguntas de um jornalista, o relator geral do Sínodo dos Bispos para a África explicou que é mais eficaz investir em fármacos antirretrovirais que em preservativos para conter a propagação da Aids.
A resposta reabriu o debate sobre o uso dos preservativos como técnica para combater a expansão do HIV.
Sobre a questão já se havia expressado o Papa Bento XVI e se desencadeou uma tormenta nos meios de comunicação.
Para tentar compreender quais são os argumentos que subjazem ao debate e que parecem implicar tantos interesses, ZENIT entrevistou os doutores Renzo Puccetti e Cesare Cavoni, o primeiro médico e o outro professor de Bioética e jornalista de Sat2000, condutor do programa “2030 entre ciência e consciência”, que acabam de entregar ao editor o livro em italiano Il Papa ha ragione! L’Aids non se ferma con il condom (Fede & Cultura).
– O que pensam das declarações do cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson com respeito ao uso de preservativo?
– Puccetti: Ao ler os jornais, fiquei surpreso, mas logo li a transcrição da intervenção do cardeal e então compreendi que se tratava de mais um caso de distorção da mensagem. O cardeal, em primeiro lugar, não se deteve em uma avaliação moral da questão; ao mesmo tempo, através de suas declarações, não se afastou para nada do constante ensinamento moral da Igreja.
O cardeal reconhece, como é lógico, que junto aos fármacos antirretrovirais, o uso do preservativo se opõe à propagação da Aids nos casos em que não se recorre à abstinência e à fidelidade. Está-se falando portanto de tudo que teoricamente pode ser utilizado.
O cardeal fala da experiência dos centros de saúde de Gana e da Igreja Católica, segundo os quais nas famílias nas quais se propôs o preservativo, este funcionou só se estavam decididas a manter a fidelidade. O cardeal recordou que, também no caso de pessoas sorodiscordantes, o recurso ao preservativo é fonte de uma falsa segurança, agravada pelo fato de confiar em uma manufatura.
Quando o presidente de Uganda deu luz verde à estratégia ABC (Abstinence, Be faithful, Condom) que se revelou muito eficaz em combater a epidemia da Aids e que logo foi tomada como modelo com igual êxito em outros países africanos, dizia coisas bastante similares ao que disse o cardeal: a vida não pode ser colocada em jogo confiando-a a uma fina capa de látex.
– Mas o preservativo serve ou não para deter a Aids?
– Puccetti: Não é fácil responder de forma taxativa, mas se tenho que dizer se o preservativo serve para deter a Aids nas epidemias generalizadas, a resposta que posso dar segundo o corpo de conhecimentos científicos disponíveis é “não”.
Para que pudesse funcionar, o homem deveria ser não muito diferente que um rato em uma jaula à qual antes de cada cópula alguém dosa o preservativo. Nesse caso, o preservativo poderia ser útil.
Mas como o homem não é um rato, não vive em jaulas e não há profissionais dispostos a dosar-lhe o preservativo, não há que surpreender-se de que a eficácia teórica não aconteça na vida real.
– Por que decidiram escrever um livro sobre este tema?
– Cavoni: Este livro nasce de uma triste constatação, a de que com frequência a informação fala de fatos que não conhece e, também, os deforma. É o que aconteceu durante a primeira visita do Papa à África em março deste ano.
O livro nasce desta tristeza e, também, da raiva de ver pisoteados os princípios fundamentais de uma correta informação. Ao mesmo tempo, parecia-nos necessário dar a conhecer ao público os fatos assim como sucederam e, de algum modo, abrir os olhos da opinião pública, de modo que não tome como ouro fino torpes instrumentalizações, perpetradas por motivos ideológicos, por superficialidades, ou por ambos fatores.
– Quais os argumentos para dizer que o Papa tinha razão?
– Puccetti: O livro está articulado em duas partes. Na primeira, reconstruiu-se com fidelidade absoluta o trabalho de descrição das declarações do Santo Padre; da leitura do livro se faz sumamente evidente a progressiva distorção da mensagem realizada com adendos, omissões, substituições. Logo, transcrevemos, como fazem vocês com as do cardeal Turkson, as palavras exatas do Papa ao jornalista francês que fez a pergunta sobre o preservativo. Na segunda parte do livro, resumimos o melhor que pudemos o panorama de conhecimento oferecido pela literatura científica internacional enquanto a aplicação clínica da prevenção mediante a promoção do uso do preservativo.
Dedicamos especial atenção aos números, porque consideramos que podem ser uma base de discussão compartilhada à margem da orientação religiosa.
Quando um interlocutor meu se mostra surpreso se declarações de eminentes cientistas confirmam o que diz o Papa, não posso senão deduzir disso o escasso conhecimento dos dados que no curso dos anos se sedimentaram e da amplitude das vozes que, em revistas internacionais como The Lancet ou o British Medical Journal, replicaram aos editoriais daquelas mesmas revistas.
– Por que tanto clamor pelas palavras do Papa e como se produziu a desinformação?
– Cavoni: Todos os maiores jornais nacionais e internacionais se lançaram, direta ou indiretamente, contra o pontífice, réu de ter dito que os preservativos não resolvem os problemas da África e sim, os agravam. As críticas se acentuaram logo no momento em que chegaram as observações, mais ferozes, por parte de vários expoentes de governos europeus e inclusive a resolução do Parlamento belga que pedia ao Papa que desmentisse o afirmado.
A questão é que quem toma posições tão fortes, se presume que saiba o que disse em verdade o Papa; e ao contrário não foi assim: todos falavam mas pouco haviam escutado. Tanto é assim que, em um segundo momento, muitos cientistas confirmaram os conceitos expressados por Bento XVI.
Temos de pensar que, para muitas pessoas, a primeira e única fonte de informação, ou de simples conhecimento da realidade circundante, está determinada por jornais e telejornais. Está vigente ainda, em suma, o clássico “foi dito no telejornal”, ou o “li no jornal”, e isto para confirmar a veracidade do que se soube.
Os meios de informação adquirem um princípio de autoridade potentíssimo. Se portanto as coisas, os fatos, as notícias apresentadas se baseiam em reconstruções parciais, o leitor receberá em presente uma leitura da realidade deformada, que não corresponde à verdade. Com esta técnica se pode inclusive criar uma realidade virtual paralela à real.
Se eu, devendo informar sobre as palavras do Papa, e comentá-las, não o escuto e não reproduzo corretamente, corro o risco de comentar algo que não se disse ou se disse de modo substancialmente diferente.
O problema das fontes jornalísticas, que devem ser acessíveis, etc, das que se fala tanto nestas semanas, não vale apenas, para as atas públicas das fiscalização, mas para o abc do jornalismo: ser testemunha de tudo o que se dispõe a descrever.
Não estamos falando de uma nebulosa objetividade, de imparcialidade; não, estamos falando do fato de que devo estar presente no cenário do fato que descrevo. E se isto não é possível, visto que no caso específico, não todos os jornalistas podem estar no séquito do pontífice, quando menos me permito voltar a escutar, palavra por palavra, o que de verdade disse o Papa e por que o disse.
Ao contrário, muitos se fiaram do que haviam ouvido dizer, de um primeiro texto, incorreto. O resto é história comum de desinformação.
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